O primeiro som


Nascer dói todos os dias

Crescer dói


O primeiro choro

As primeiras palavras

O aprendizado


Nascer também não dói


Onde há lágrimas também há sorrisos

Onde existem monossílabas existirão frases com melodias



Rosalina Herai






segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O colibri

Contam as histórias
de um bobo que no teatro do rei
para contentá-lo
contava lendas, declamava poesias
fingia nascer, fingia que morria

O bobo com seus turbantes
em sedas esfiapadas
com roupas engraçadas
máscaras  lhe colocavam

E ele sorrindo triste
dançando no fio da espada
escondia seus cabelos
do rei e dos que o procuravam

Fingia ser um mágico
até ventrílogo se tornava
puxava sedas no rosto
mudando suas máscaras

Na corte todos ouviam
as histórias que ele contava
numa vóz grave e forte
e noutras em tão doce mudava

Zum zum em toda a corte
onde estava quem procuravam
lá fora tonéis de vinho
pelos guardas eram virados

Ninguém podia entrar
revistas nos convidados
mas o bobo da corte
era tão menosprezado

No fio da espada dançava
sorrisos tão deslumbrados
as sedas iam caiando
pedras brilhantes o iluminavam

A corte não podia ver
as lágrimas que caíam
dos olhos cor de esmeraldas
jade...cores como as do colibri

Um sorriso tão tenso
promessas de algo diferente
alguém desconfiara
todo bobo seria marcado no peito

O bobo com olhos de lince
turbantes de mágico
a espada traiçoeira brilhava
afiada em pedras preciosas

A corte esperava o momento
de ver um peito marcado
ver o rosto do bobo
sendo humilhado

O Rei levanta-se
pensava como faria
iria de encontro a verdade
que em sua frente se escondia

Sentado calmamente
fala com um dos seus guardas
este retira a espada
levanta-a para o bobo atacar

Vai derrubando o que lhe cobre
roupas rasgadas
olhos petrificados
assistem o espetáculo

Caem pouco a pouco
sedas com coisas guardadas
um turbante é arrancado
mostrando lindos cabelos

O bobo fica de costas
os olhos do rei reagem
lágrimas vão caindo de seus olhos
engole-as, ele quer ver o final

Rasgadas todas as vestes
trapos não conseguem esconder
os olhos cor de colibri
o rosto...era aquela a verdade

Um dia sentado triste
com o semblante anuviado
um príncipe disse ao seu pai
Vou partir, quero ser livre

Não suporto homens serem tratados assim
grades em janelas
portas cheias de guarda
esta diferença social horrível

Bem sei que tu és bom
sofre por seus súditos não compreende-lo
querias tratar todos iguais
confiar neles de olhos fechados

Vives nesta prisão
herança de nossos ancestrais
sei que se pudesse
terias feito o mesmo pedido a seus pais

Deixe-me ir
trarei-lhe a verdade
mostrarei para vós
mapas da felicidade

O Rei amava seu filho
olhou-o com pesar
um dia sabia ele
iria o reencontrar

Passaram anos
o coração do rei entristeceu
o filho que tanto amava
nunca mais mandara notícias

Ninguém contara ao Rei
e nem podiam
um príncipe sem coroa
não era ninguém

Título adormecido
um bobo nas ruas
via o que era liberdade
via o teatro da vida

Sabia manejar espadas
tinha cultura
contava histórias
um acidente
matara suas lembranças

Estranhas suas histórias
chegara ao ouvido do rei
um bobo cheio de cultura
falava de filosofia

O rei interessado
a procura de notícias
fica encantado
quer ouvir as histórias

Todos os dias pede
quer ouvi-las mais
e os olhos do bobo
reparam em cada detalhe

O Rei tem crises de choro
fecha-se em seus aposentos
naquele dia marcaria o bobo
de uma forma jamais pensada

Assim as roupas foram rasgadas
bolsos foram esvaziados, tudo estava no chão
cabelos sendo soltos
o olhar de lince acalmando

Vira-se para o Rei
olham-se bem dentro dos olhos
Filho e pai se reconhecem
o colibri voltou para casa


 Rosalina Herai

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